O sonho de ser sorteado
Veículo: Valor Econômico – SP
Aplicador troca rentabilidade pela possibilidade de concorrer a prêmios em dinheiro O crescimento modesto da economia não vai abalar o mercado de títulos de capitalização. A receita prevista para este ano é de R$ 19,6 bilhões, aumento de 18,5% em relação ao ano passado, enquanto as reservas técnicas podem alcançar R$ 24,9 bilhões, acréscimo de 12,7% sobre 2012. O otimismo deve-se, principalmente, ao bom resultado do ano passado: o mercado fechou o ano com R$ 165 bilhões, alta de 17,6% sobre 2011, e reservas técnicas de R$ 22,5 bilhões, crescimento de 13,9%.
Entre os fatores que contribuíram para o crescimento estão os tíquetes baixos dos produtos, entre RS 8 e RS 28, a contratação simplificada dos títulos de capitalização, a dispensa de comprovação de renda, a carência para resgates e a participação nos sorteios.
Para o presidente da Federação Nacional de Capitalização (Fena Cap), Marco Antonio Barros, a alta das taxas de juros não é favorável ao segmento, porque os títulos não são considerados como investimento.
Quem compra um título, na prática, troca rentabilidade pela possibilidade de concorrer a prêmios em dinheiro. "Seu público está efetivamente interessado em fazer economia programada com sorteios, sendo o componente lúdico um importante fator de atratividade para sua aquisição", afirma Luis Alberto Charry, diretor da Caixa Capitalização.
Segundo ele, os títulos de capitalização permitem bancarizar a população de menor poder aquisitivo com a oferta de produtos de baixo tíquete médio. "Os títulos, de pagamento mensal ou único, podem atender a todas as parcelas da população, sendo possível notar maior aderência das classes C e D" O segmento, supervisionado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), possui quatro modalidades.
A tradicional, que restitui 100% do valor aplicado durante o período de vigência do título; a modalidade compra-programada, na qual, ao final da vigência, o titular pode receber o valor do resgate ou o bem ou serviço referenciado na ficha de cadastro; a popular, que proporciona a participação do titular em sorteios, sem que haja devolução integral dos valores pagos; e a de incentivo, que está vinculada a um evento promocional de caráter comercial.
Apesar de ser bastante difundido no país - cerca de 40 milhões de portadores de títulos -, a contratação do produto ainda é polêmica. Em fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou a cláusula contratual que estipula prazo de um ano para a devolução dos valores investidos em títulos de capitalização, caso o consumidor desista antecipadamente ou tenha a aplicação cancelada por inadimplência.
Segundo a Fena Cap, a decisão, passível de recurso, contraria outro julgamento do próprio STJ, que reconheceu a legalidade da cláusula, sem qualquer desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor.
Márcio Lobão, presidente da Brasilcap, afirma que o título de capitalização possui três componentes: cota de capitalização, que é o percentual do valor pago destinado à constituição da reserva do cliente; a cota de sorteio, destinada ao custeio dos sorteios previstos no plano; e a cota de carregamento utilizada para o pagamento das despesas administrativas, comissiona mento dos canais de comercialização e lucro da empresa.
“É por isso que o prazo de carência para resgate e importante, porque parte da essência do produto dá sustentação ao equilíbrio atuarial dos títulos.” A despeito das disputas judiciais, os títulos da modalidade tradicional, voltados para acumulação de recursos, são os mais vendidos e representam 80% do mercado, de acordo com a Fena Cap. E as estratégias de marketing para vendê-los são as mais variadas, mas a questão da sorte é sempre a principal vedete. A proximidade dos eventos esportivos que acontecerão no Brasil, Copa do Mundo em 2014 e Olimpíada do Rio em 2016, por exemplo, movimentam o mercado. Na Brasilcap, o Ourocap Torcida traz o slogan São tantos prêmios que você já pode comemorar. Segundo Lobão, é uma "referência à expressiva quantidade de sorteios do produto - são 2.014 prêmios por mês na modalidade de pagamento mensal e 2.014 prêmios durante a vigência nas modalidades de pagamento único, com um sorteio de até R$10 milhões em julho de 2014". A Bradesco Capitalização, que integra o grupo Bradesco Seguros, marca seguradora oficial dos Jogos Rio 2016, lançou em março o título de capitalização "Torcida Pé Quente Bradesco - Agora é Bra".
O novo produto, de pagamento único no valor de R$ 3 mil, permite aos clientes concorrerem a dez sorteios mensais de R$100 mil. Norton Glabes Labes, presidente da Bradesco Capitalização, que registrou receitas de R$ 3,8 bilhões em 2012 - crescimento de 25,8% em relação ao ano anterior -, conta que um produto de sucesso são os títulos ligados a causas sociais.
O Bradesco foi pioneiro nesse tipo de iniciativa - a primeira parceria foi com o SOS Mata Atlântica em 2004, depois com o Instituto Ayrton Senna, Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, Fundação Amazonas Sustentável e o Projeto Tatuar.
"A clientela prefere comprar um título que ajude a uma boa causa e os próprios funcionários se sentem engajados em oferecer este produto, porque sabem que estão contribuindo para a construção de algo maior.
" Na modalidade tradicional. um título que faz sucesso é aquele utilizado para garantia de aluguel, que substitui a figura do fiador nas transações de locação de imóveis comerciais e residenciais. Só na Sul América Capitalização (Sula Cap), a primeira instituição a oferecer o produto, a venda do título Novo Garantia de Aluguel cresceu 30% em 2012. "Com o produto, o inquilino adquire um título - em valor acertado com a imobiliária ou com o proprietário -, que fica caucionado ao contrato de locação, funcionando como garantia do pagamento. No final do plano, ele recebe de volta 100% do valor corrigido e concorre, todos os meses, com duas chances de ser sorteado pela Loteria Federal, podendo ganhar a quantia caucionada", diz o vice-presidente da empresa, Sérgio Divana.
Para o diretor de produtos de capitalização da Icatu Seguros, Gustavo Rosa, apesar de a modalidade de título mais vendido pela instituição ser o tradicional (R$ 706,3 milhões em 2012), há esforços para ampliar as vendas dos títulos populares como, por exemplo, o "Troco Premiado", cujo tíquete médio é de R$ 0,62, conhecido nas regiões Norte e Nordeste.
“O valor do título varia entre R$ 0,01 e R$ 9,99. O varejista parceiro, em vez de dar o troco em dinheiro, oferece esse produto. Quem o adquire concorre a um sorteio de dez mil vezes o valor do troco. Além disso, parte do dinheiro vai para instituições filantrópicas como o Instituto Ronald Mc Donald.” No Santander, apesar de o segmento de títulos de capitalização ser importante, ele representa apenas 5% da receita, afirma Walter Viegas, superintendente de produtos seguros e capitalização. “Em termos de renda variável, este não é o produto mais incentivado pelos gerentes de negócios. Possuímos uma espécie de régua que varia a cada trimestre, na qual são atribuídos pesos para avaliar a performance dos gerentes. Hoje, por exemplo, o maior peso são para os fundos de investimento.” A modalidade incentivo também tem crescido, especialmente por conta do interesse das empresas em realizar promoções de vendas ou campanhas de fidelização de seus clientes. Elas adquirem séries fechadas de títulos e transferem aos seus clientes o direito de concorrer aos sorteios programados, por meio de números da sorte. “Os títulos de capitalização agregam valor aos produtos aos quais se atrelam, o que os tornam atrativos para estas áreas. Sabendo atuar com precisão, identificando necessidades e os moldando de acordo com os clientes-alvo de cada grupo, estes produtos transformam-se em ferramentas muito eficientes”, diz Maurício Guazelli, diretor comercial da Cardif Capitalização, cuja receita em 2012 foi de R$ 50 milhões, 40% a mais do que no ano anterior.
Os títulos de capitalização fazem parte da cultura brasileira. Barros, da Fena Cap, diz que pesquisa do Instituto Fractal, de São Paulo, aponta que esses produtos ocupam o segundo lugar na preferência dos brasileiros, atrás apenas da caderneta de poupança.